terça-feira, 14 de agosto de 2018

mulheres da nazaré

"As mulheres só levantam a cabeça depois de eles morrerem. Aqui há anos, num naufrágio, perderam-se no mar alguns pescadores da Nazaré. Fez-se uma subscrição que deu para as viúvas viverem algum tempo. E as outras com inveja lá diziam:
-Foi pena o meu não ter morrido também...
...

Baixas quase todas, de ancas largas e peitos sólidos. Grosseiras e fortes. Língua de um poder expressivo inigualável, colorida e pitoresca, quando se zangam, quando vão buscar os homens à taberna, quando falam ao mesmo tempo e gesticulam, ou a chorar quando contam a sua vida de bestas de carga. Duas descompõem-se, uma em frente da outra, com as mãos na cinta:  Olha cá, Mar' da Luz! - Que queres tu, Mar' Santana? - O que quero eu? Quero saber em que contos me foste meter coa Lianor na borda d'água. - Eu! só se estás pardinal (bêbada). - Estou sim, vem cá tomar o bafo. Pensas que sou comati que vinhas noutro dia areada pelo caminho de fora (estrada). -Como sabes que o teu home só vai ao mar quando ele está de rojo (calmo), por isso é que falas dessa maneira. -Então o meu home não é tanto com'ò teu?... "

Raúl Brandão, Os Pescadores [1923], Mel ed., 2009, pp. 158-165

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