quarta-feira, 21 de setembro de 2016

do arquiteto e das hienas

Parece que José António Saraiva deu agora na reincidência de cometer um livro. Chamou-lhe “Eu e os políticos – o que não pude (ou não quis) escrever até hoje”.

Em outras circunstâncias, as probabilidades de o vir a ler seriam completamente nulas por duas ordens de razões. Em primeiro lugar em resultado da indiferença e repulsão que me inspira o assunto “jornalistas e políticos”. Depois porque o arquiteto, da última vez que dei por ele – coisa já de alguma idade –, pareceu-me francamente debilitado de juízo e arrancou-me gargalhadas sucedidas de um enorme constrangimento - o mal-estar em que se fica sempre que nos surpreendemos a divertir à custa de alguém que se percebe mentalmente diminuida. (E ao escrever isto, volto a sentir o mesmo embaraço, a apanhar-me em deselegância; é uma coisa feia, isto de falar assim de alguém que acreditamos enfermo, sem ser de feição sarcástica).

Fui arrancado a esta absoluta indiferença pelo coro de hienas que se lhe atiram aos glúteos e que me levam a ponderar a hipótese de se tratar realmente daquilo que a capa anuncia e que de outro modo interpretaria como arenga de editor: um “livro proibido”. Nesse coro, as mais perfeitas imitações de vozes humanas vêm precisamente de alguns dos que, durante décadas, sem um pio acerca duma eventual enfermidade, coabitaram e mesureiraram afagos daquele de que agora fazem presa.

Não leram nem vão ler, asseguram quase todos. Como nojo maior invocam a circunstância de o culpado se ter sentido autorizado a uma inconfidência: um político – que entretanto faleceu – ter-lhe-ia dito que o seu irmão, também político, era homossexual. Em vários casos, declaram a impossibilidade dessa confidência porque o confidente sentia um profundo afeto pelo irmão. Mas… para hienas tão politicamente corretas, dizer isto é mais que observar que alguém é gordo ou magro, alto ou baixo, tímido ou desinibido? É prova de desamor e portanto falso?

Na enfermidade do arquiteto, lembro-me, sobrevivia uma certa candura que dava luz a algumas coisas.
Amanhã passo pela FNAC.
Se valer a pena, coisa que não estou disposto a jurar, voltarei a este assunto.

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adenda 
Como se poderá perceber das “notas de leitura” posteriores a este post, já li o suficiente do livro para saber que vale a pena voltar ao assunto.

Em consequência dessa leitura, que ainda faço,  – no meio de muito outros afazeres; “é preciso cuidar do nosso jardim”… - tenciono fazer um comentário final em que farei a revisão que me parecer justa das considerações que fiz acerca da “enfermidade” que – sem elegância e alguma dose de grosseria – atribui ao autor do livro.
24/06/2016

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