sexta-feira, 3 de março de 2017

literatura

“A literatura não serve para nada. Se servisse para alguma coisa, a ralé esquerdista que monopolizou o debate intelectual ao longo de todo o século XX nem sequer poderia ter existido.[…] É altura de recordarmos uma última vez (pelo menos assim o esperamos) os malefícios dos ‘intelectuais de esquerda’ e o melhor é, sem dúvida, evocar 'Demónios', publicado em 1872, onde a sua ideologia já se encontra integralmente exposta, onde os seus malefícios e os seus crimes já estão claramente anunciados através da cena do assassinato de Chatov. Porém, em que é que as intuições de Dostoiévski influenciaram o movimento histórico? Em absolutamente nada. Marxistas, existencialistas, anarquistas e esquerdistas de todo o tipo puderam prosperar e infetar o mundo conhecido exatamente como se Dostoiévski nunca tivesse escrito uma única linha. Terão eles, pelo menos, contribuído com uma ideia, um pensamento novo em relação aos seus antecessores no romance? Nem um. Século da treta que não inventou nada. E, ainda assim, pomposo ao extremo, gostando de colocar com seriedade as questões mais tolas, do género: ‘Poder-se-á escrever poesia depois de Auschwitz?’; continuando até ao seu último fôlego a projetar-se em ‘horizontes inultrapassáveis' (depois do marxismo, o mercado), embora Comte, muito antes de Popper, já sublinhasse não só a estupidez dos historicismos mas a sua imoralidade estrutural.”

Michel Houellebecq, “Lanzarote”, Alfaguara, p. 79

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