segunda-feira, 28 de agosto de 2023

o drama do beijo – parte I

(Sou-me dado ao dever de dizer o que acerca do assunto nem cheguei a achar por causa de coisas há pouco surgidas com o simples e aparente delito do título "correspondente" à parte II.) ______________________________________________________________________________ 


  “No tempo do fascismo” – que foi num tempo em que eu era ainda muito pequerrucho -, recordo-me perfeitamente de que quando uma senhora era beijada, assim “à espanhola”, podia acontecer uma de duas categorias de coisas: 1) a senhora exprimia felicidade, alegria e coisas dessas com um sorriso – e foi isso que por acaso eu julguei ver -, ou 2) a senhora investia um violento bofetão nas ventas do valente. Entre estas duas hipóteses, só podia haver alíneas a dar maior ou menor expressão ao sentido. Podia, por exemplo na segunda hipótese, haver uma alínea para um violento pontapé nos tomates do artista, vá lá um homem saber ao certo o que se passa no coração de uma mulher… 
E, com rainhas por perto ou longe, as coisas ficavam por ali porque as rainhas eram rainhas e só muito excecionalmente se poderia achar que um beijo envolvia mais alguém além de duas pessoas. 
 Havia coisas feias quando eu era mais pequeno? Havia. Mas só de cima de um andaime. Porque geralmente as senhoras caminhavam em cima de uma imperial indiferença. Que decorria da certeza, de uns e outros, que o do andaime, se mais de perto, corria o risco de enfardar a violenta bofetada mencionada em 2) ou alguma das suas inúmeras alíneas. 
Mas voltando ao presente: veio a futebolista no primeiro instante do sururu esclarecer que não havia nele nada de impróprio. Para depois -na sequência de gente emocionalmente estraçalhada, por sua inteira culpa sem beijos, que não fode nem sai de cima, encharcar os noticiários e os debates com a peçonha da sua miséria afetiva -, porque além de futebolista não é senhora também, lá vir dizer que sim, na gelatina tão comum da sua espécie. Gente que me deixa naquele estado físico da náusea adequadamente descrita por Satre no literal contexto e atmosfera de uma ocupação nazi. 
Sendo absolutamente sincero, toda esta gentalha nojenta e hipócrita, toda a indignação de todos os comentadores enfurecidos, me oferece o presente de me deixar mais ou menos reconciliado com a finitude da vida. 
 Mas depois ouço o Armstrong naquela coisa do “I see blue” ou “l'important c'est la rose” e penso: Mas que grandes filhos da puta. Morram vocês, seus cabrões.

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