domingo, 28 de abril de 2024

abracemo-nos sempre que nos apeteça

É a saudável recomendação que nos fazemos e que muito raramente praticamos.
Da minha parte, juro-vos que nunca mais deixarei de o fazer.
Não é preciso que seja com muita força. Um braço mais tímido sobre os ombros será o suficiente. Safoda o que possa pensar o abraçado e ainda mais o que possam pensar eventuais espectadores.
Nunca mais.
Porque uma mulher boa faleceu hoje sem que eu o tivesse feito. Dá-se o caso de ter sido minha colega. Inteligente, generosa, inexcedivelmente capaz no seu ofício, foi também, sem esforço, uma daquelas pessoas que sabemos entre amigos, franca e incapaz de qualquer filhadaputice para quem quer que seja.
Por um qualquer extraordinário mistério, na última reunião de trabalho, perguntou-me se me dava conta de que aquela era a última em que estaríamos juntos numa reunião ( estou na eminência de me aposentar e tenho feito festa do assunto...). Convencido que brincava, disse-lhe do improvável, apesar de tudo. Respondeu em silêncio, nuns olhos sem dúvida, que interpretei no sarcasmo que praticávamos divertidos e sem lugar para mal-entendidos.
Dias antes de a ver pela última vez, cruzámo-nos. Falhando-lhe eu o tal braço sobre os ombros que me apeteceu fazer em razão de duas pessoas estranhas à nossa cumplicidade.
Nunca mais.
Na imensa tristeza em que me deixa, apenas me consola a ideia de que não tenha tido tempo para se afligir com a falta que fará à sua menina.

léa desandre

viana do alentejo

 


terça-feira, 23 de abril de 2024

os cravos de abril e eu

É complicado.
Gosto muito de flores. De cravos vermelhos também, sobretudo pelo que por esta altura são símbolo.
Dito isto - e de pés bem firmes nesta empatia de que não os arredo-, não aprecio o neorrealismo faceiro com que adocicam o aparente mistério da sua aparição em ocasião tão lustre da nossa história mais recente.
Ora se tratou de uma pobre florista do Rossio que vivia com a mãe e a filha num pequeno quarto de umas esconsas águas-furtadas. E a quem naquela madrugada sobrou mercadoria. Ora de uma pobre operária despedida sem justa causa e que foi paga com cravos.
Em qualquer caso a senhora acaba sempre a distribuir graciosamente os cravos vermelhos na madrugada de abril.
São jornalistas que após investigação séria nos dão notícia destas histórias, uma ou outra ilustrada com a fotografia de uma senhora que, cinquenta anos depois, nos surpreende bem conservada.
O que me espanta é que nunca ninguém tenha dado conta da coincidência de ser precisamente o cravo vermelho o símbolo da revolução bolchevique e de na extinta URSS ser símbolo de todas as festas e efemérides a ela associadas. 
Como a comemoração dos aniversários de Josef Stalin, por exemplo.



jóhann jóhannsson

são joão de tarouca