quinta-feira, 3 de outubro de 2024

obrigações da carne

"A maternidade de substituição deve ser vista no seu contexto mais amplo: não como uma resposta aos problemas da esterilidade, mas como o resultado de uma revisão nas perceções morais, comparáveis às pressagiadas no Admirável Mundo Novo. Os cidadãos do paraíso terrestre de Huxley têm horror à maternidade e atribuem ao processo do parto a vergonha e o sentimento de contaminação que os nossos antepassados atribuíam à união sexual. Ao mesmo tempo, o ato sexual em si não é um risco para eles - um exercício higiénico, não mais problemático do que escovar os dentes, e bastante mais prazeroso.

A ideia de que a união sexual deve ser entendida quanto à sua tendência generativa é estranha às suas perceções, pois implica que o corpo humano possa abrigar um destino e uma responsabilidade maiores do que quaisquer que possam ser impostos pelo Estado todo -poderoso, impessoal e que tudo absolve. Cabe à máquina abstrata do Governo decidir quem deve existir, assumir a responsabilidade pela sua fabricação e circunscrever a sua vida. Os órgãos sexuais não têm outra função além do prazer fugaz, e associá-los às responsabilidades incapacitantes do parto, ou ao destino comprometedor de um amor físico caloroso, é cometer uma terrível obscenidade.

Evidentemente, ainda não chegámos tão longe. No entanto, certos elementos da visão de Huxley foram realizados.”

Roger Scruton, “Contra a Corrente”, ed. 70, 2022, p. 208


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