sábado, 27 de setembro de 2008

de como uma coisa é a ciência e o quotidiano outra


O gajo já escrevia o papel. Eu tentava explicar-lhe que o aparelho tinha as suas limitações. Mas o tipo, moita–carrasco; fez pose de quem está habituado a lunáticos e repetiu o limite de velocidade em vigor, ali, naquele pedaço de recta.
Eu continuei a exposição do meu argumento esforçando-me por fingir que não tinha reparado e não me irritava com o arzinho enfastiado que ele punha ali em cima daquelas botas ridículas.
Dizia-lhe eu assim: "Mas ó Sr. guarda, a teoria geocêntrica já foi posta de parte e houve até um papa que pediu desculpas por a igreja se ter agarrado excessivamente à coisa. Agora, o senhor pode achar que isso não tem qualquer interesse ou relação com este nosso assunto mas mudará de opinião se me ouvir com alguma atenção. Repare: se alguém quiser disparar um míssil intercontinental – para acertar numa cova situada em montanha afegã, ou assim – e nos seus cálculos fizer uso da teoria geocêntrica, como o senhor agora faz ao multar-me, pode muito bem acontecer que o míssil termine a sua trajectória no telhado da casa dos seus paizinhos, do que resultaria grande maçada e embaraço para um general qualquer".

Quando eu disse “paizinhos” e “general” ainda me olhou com ar ameaçador. Fora isso, não se interrompeu na esforçada escritura.

E eu continuei: "O que é que eu quero dizer com isto? Quero dizer que para mandar um míssil bem mandado necessitamos de uma teoria que funcione. Ou seja, uma teoria que tenha em conta o facto de a terra se mover enquanto aqui estamos civilizadamente a falar.
Agora diga-me: tendo em consideração que ao deslocar-me de A para B, no sentido Este–Oeste, a terra gira na direcção oposta, é muito bem possível que eu até esteja a andar para trás, embora ainda não tenha feito as contas. É ou não é assim? A mim não me parece que o seu radar esteja preparado para fazer essas continhas", disse eu, já murcho e sem fôlego.
Ainda estive tentado a dar-lhe conta da minha teoria das revoluções científicas mas fiquei com medo de que o tipo me desse “voz de prisão” que eu embora não saiba o que é, suspeito que não seja coisa aflautada.
De maneiras que lá paguei a merda da multa.

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