Foi aqui no Pátio da Fonte Nova que
o Afonso fugiu à frente do pai da Paulita que era da GNR. Quando ela sangrou,
ou lá o que foi, rebentou por aqui um levantamento danado de berraria. O Afonso
jurava que tinha sido ela a esfregar-se no tanque mas não lhe valeu de nada. Era
danada, a Paulita, sempre aos pulos na cama. Nunca cheguei a perceber o que se
passou ao certo porque era muito pequeno para perceber certas coisas mas
lembro-me muito bem da cara do pai da Paulita que era da GNR, não sei se já vos
disse.
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O José terá agora coisa de uns oitenta anos lúcidos e
razoavelmente bem esquadriados.
Pelo verão de 1945 saiu da aldeia de Trás-os-Montes para onde
volta todos os anos desde então.
Da Holanda. Em carro que conduz porque não quer nada com
aviões.
Todos os anos.
Por cá está outra vez. Há coisa de dois anos, para a
demanda, conseguiu a companhia de um neto e foi ao céu. A mostrar-lhe os
granitos, a melhor culinária do mundo e tudo o que o Éden teria para oferecer
se ficasse mais perto.
Mulher e filhas não querem nada com as Terras do Demo e as
filhas apenas guardam as memórias de quando para cá eram arrastadas. Agora são
crescidas.
Mas há arribas que o José não revisita e pretexta desculpas.
Na verdade, não quer esborratar memórias que são lá do receio dele.
O meu pai, também transmontano, é dado a idênticas
peregrinações e a elas também me sujeitou desde a mais remota infância. Com a
idade, a ansiedade do meu pai pelas voltas abicou-se. E como não mora na
Holanda acha perfeitamente razoável ir tomar café a Valpaços. Só que, da mesma
criação do José, a senhora minha mãe entende que ele deve ser conduzido em
lugar de conduzir.
Lembrei-me desta coisa dos transmontanos porque hoje passei
pelo Pátio da Fonte Nova e pensei na imprudência; como o José, também não sou
dado a esborratar certas coisas. Que fazia aquela gente ali? Com que direito
ali estavam a olhar-me como se eu fosse um gabiru? E que fizeram do portão de
ferro que nos recebia da ponte como se estivéssemos a entrar num castelo a
valer?
Por outro lado, embora Alcobaça seja para mim o mais belo
dos lugares, concebo sem dor especialmente aguda a hipótese de lá não voltar. Mas
muito pior que essa coisa de esborratar memórias com porcarias são as porcarias
que nos estrangalham as fantasias.
Sesimbra, por exemplo. Ficava-me a um pulo rente à água. A
palavra punha-me a ver sardinhas em fumo cheiroso, falésias zimbradas, um
sempre sol que eu sei lá, casitas de uma alvura que só visto.
Andei anos nesta fantasia e um dia lá fui.
As amêijoas não eram más. Mas o que eu gosto mesmo é daquele
molho leitoso, feito de azeite, alho, coentros e água do mar.
Bonjour Marcel. Seja bem aparecido...
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