quarta-feira, 4 de março de 2015

viagens na minha terra

Já em idos de Elvas, assim de como quem vai para Barbacena, procurem a placa pequena e ferrugenta que anuncia o Forte da Graça. Virem à direita pelo caminho estreito e esburacado. Nas bermas, aqui e ali, vão sendo informados de que não podem por lá andar. Mas as placas estão em tão mau estado que, se por um qualquer milagre, alguém se desse ao cuidado de o evocar, poderiam sempre defender de boa-fé que não haviam percebido o significado de tais sinais. Chegados ao cimo sereis recebidos por mato grosso, pela mais bela das vistas da cidade de Elvas e por uma placa de generosas dimensões que vos dará conta de que o Forte da Nossa Senhora da Graça é “Propriedade do Governo Português” - uma inteligente e grácil patifariazinha ditada pela impotência de algum militar às ordens do Ministério da Defesa. Cá para mim…

Sob a direção do General Guilherme Luís António de Valeré deu-se “começo em Julho de 1763 a esta notável obra de arquitetura de engenharia militar, que levou 30 anos a construir empregando 6000 horas e 4000 animais”. Se este último número inclui bípedes é informação em falta mas “o seu custo foi de 767.199.339 (Reis)”. Quando nasci, alguém - aqui, em vista da raia – deu-se ao cuidado de lembrar que “não há conquistas ou ambições a satisfazer, mas há o grande dever de conservar o que nos resta da herança do mar.”Algum marinheiro para quem “o poder no mar é a garantia dos direitos que assistem na conservação do património nacional.”Alguém a quem não lembrava a inópia de alguns baldes de cal, o abandono, o desprezo pela herança, pela sudação dos progenitores, pela identidade, alguém que, enfim, não sonhava uma descendência de bastardos.

Já em ida, em frente e de costas para a “propriedade do governo português”, vejo um todo-o-terreno, janelas traseiras recobertas por ventosas de rede embonecadas pela Disney, como por aqui os indígenas protegem prole das agressões solares.Chega um ligeiro com efebo em vintes e uma mulher de trinta e muitos trasfega-se da nissan. Vão-se. O todo-o-terreno ali fica.Manhã de sábado.A prole lá terá ficado com a mulher-a-dias ou com uma avó. O corno a transpirar na amortização das dívidas.Ao meu espanto e perplexidade dizem que é assim.Lá ao fundo, o aqueduto.

Desço.Mas não me arredo de infâmias, de arrabaldes mal frequentados.No “Golo”, marisqueira onde os espanhóis da raia remediada saboreiam mar, aponto o céu e inquiro o empregado acerca do porquê daquele abandono.Diz-me que “estão a pensar arranjar aquilo”. “Pensam”.“Fazem” estádios, PPP’s, CC’s, bibliotecas de estantes vazias para "pentear crânios ermos", “promessas cumpridas”. “Pensam” aquilo.
Talvez porque “aquilo” faz parte do “património mundial” da UNESCO.Pouco a norte, o castelo de Barbacena está de quem quiser por 300.000 €. A sul, em Juromenha, as papoilas conquistam ameias, uma cobertura inacabada abriga paredes descarnadas e a meia dúzia de lajes que sobraram na sobrecarga de alguma carrinha de caixa aberta.
Chapiscos em terra devastada.

(2013)

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