terça-feira, 5 de abril de 2016

a invenção da invenção da via verde; tudo pela pátria.

Não há distração no título.
A coisa foi mais ou menos assim e nos detalhes não haverá fantasia por aí além:

Estava calor mas havia boa disposição depois do almoço e ao fim de tanto “uixque com gelo” no “Furnas do Guincho”. A abundancia do “uixque com gelo” e a expetativa de que os resultados das eleições que se avizinhavam prolongassem por mais um mandato os proveitos de suados empenhos lá nas distritais do partido, davam aos convivas um eufórico entusiasmo e uma fúria de ideias invulgarmente rara naqueles “almoços de trabalho”. Habitualmente mais centrados em novas ideias para as funções das “colaboradoras”.

Esfomeado àquele adiantado da tarde, o chefe de mesa cirandava na expetativa de que alguém pedisse a conta quando o Doutor Gomes gritou:
“-E se puséssemos o Gastão a tratar disso?”
Como ninguém da administração sabia quem raio era o Gastão, o Gomes lá esclareceu que era “o engenheiro”. Mas havia engenheiros a dar com pau e sentiu-se na necessidade de acrescentar que era “aquele gajo de bigodinho, o das engenhocas. Já viram o telescópio que o gajo fez com umas lentes de máquina fotográfica?”.

Feitas as contas – com o chefe de mesa a entrar em hipoglicémia -, o Gomes abalou dali do “almoço de trabalho” com uma pica que só visto. Já a chegar a Carcavelos, com o Audi (“g’anda bicho”) a fugir de traseira, deu uma fragatada  num separador, cantou entre dentes “safoda, nada me pára” (ALD…), e entrou de rompante no gabinete do Gastão.

Estava ele a ouvir o ato III da Aida e a desenhar um punhal com uma bic num bloco de folhas amareladas, caiem-lhe os auriculares na ventania – era dado a modernices, o Gastão -, e diz-lhe o Gomes assim:
“-Temos que acabar com essa porra dos portageiros. Alguns não fazem a barba nem sabem falar com os estrangeiros como deve ser. Arranja aí uma coisa moderna, toda automática, com luzinhas a piscar, ou assim. Os gajos passam pelas luzinhas e, tau, cai-lhes uma jeitosa ripada nas contas.
Mas tem de ser assim uma coisa simples. Porque se há gajos que podem ir, por exemplo, para Coimbra, haverá outros que podem, por exemplo, ficar em Pombal, ‘tás a ver?”

Agastado com toda aquela maçada, já a pensar no que seria o jantar e na reforma que nunca mais chegava, o Gastão lembrou-se de umas coisas que se pagavam como queria o Gomes, quando fora a um lugarejo na Noruega para um encontro de astrónomos amadores. Lembrou-se também vagamente de uma ponte equipada com umas coisas simples, sem portageiros, quando fora aos Estados Unidos por via de idêntico assunto. A pessoa quando passava, atirava uma moedinha para um cesto de arame e aquilo fazia “tlim”.
Mas não se lembrava de luzinhas, tinha de ter luzinhas a piscar e ser moderna… Pegou no telefone, ligou para um camarada amador de telescópios em Trondheim e, para atalhar caminho na historieta, foi assim que onde havia dois ou três portageiros passou a haver apenas um nas autoestradas do “lá vem um”.

O Gastão sabia que a coisa tinha sido inventada para resolver problemas de engarrafamento em estradas congestionadas; não havia necessidade de parar e fazer trocos, nada de fumos em pára-arranca. Mas estava afeto ao “núcleo de investigação e desenvolvimento eletrónico”, coisa que ninguém sabia ao certo para que servia senão para justificar salário ao Braga que devia empenhos ao Gomes - era só recolher cacau a meio da estrada com tipos mal pagos que nem tempo tinham para fazer a barba. Tinha que aturar aquilo enquanto não chegava a reforma.
Até se podiam restituir os portageiros ao desemprego do vagar de fazer a barba, pudesse ele sugerir ao Gomes a solução parola dos suíços; um selo no para-brisas e 38.50 euros para as finanças de quem quer autoestrada. Mas o Gomes não iria achar aquilo uma solução suficientemente moderna. Afinal de contas, não poderia ser à toa que havia um “núcleo de investigação e desenvolvimento eletrónico”.

De maneiras que é assim: a “q-free” primeiro, depois a “norbit” também  e uma ou duas outras que agora me falham, abicham 25% (estima-se, porque é segredo bem guardado…) do que aqui se rapina ao indígena em prósperas PPP’s. Tudo para gente que anda ao bacalhau.

Não estivéssemos nós na altura muito verdes nessa coisa de fazer patentes e a “Brisa” seria hoje um gigante. Foi uma pena.
Aos laudos em nome da SPA, o Gastão remete-se a um embaraçado silêncio. Ao contrário do Gomes. Este, quando abusa do “uixque com gelo” e está com a Berta “colaboradora”, com alguma razão, dá em trelear que foi ele quem inventou “aquela merda toda”.

E é assim. Pagamos. Pagamos de portagens o que não chegamos a pagar pelo gasóleo.
Mas com orgulho.
A “Via Verde” foi inventada por portugueses.
A “Via Verde” e as “Fotocópias Fagundes, ltd.”
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Limitação de responsabilidade - Disclaimer (acho que é assim que se faz): tudo o que aqui se escreve – nomes, pessoas, lugares, datas, eventos, marcas, empresas e tudo o resto - é matéria ficcional inspirada por uma garrafa de Petrus que tem o bom hábito de me despertar a alegria de rabiscar historietas. Vez por outra trato-me bem, e a eventual coincidência de todas essas coisas e tudo o resto com todas e quaisquer coisas e tudo o resto não passa disso mesmo, de uma extraordinária coincidência.

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