domingo, 22 de janeiro de 2017

a chegar agora mesmo de taprobana




















O meu mais velho deu-me ao almoço a notícia de que ia para Colombo no fim do mês. E mal saiu, fui a correr para o google earth em modo street view à cata de terroristas tâmiles ou de gajos com mau aspeto que lhe pudessem fazer mal. Habitualmente estou por Bogotá, ou Lima, cidades que conheço como a palma das minhas mãos e que são absolutamente encantadoras - não frequento lugares turísticos, ando pelos subúrbios, convém esclarecer. Se bem que o coração velho de Lima seja de se ficar em estupor.
Bom, mas isso agora não interessa.
Disse-me que já era licenciado – uma coisa que no meu tempo levava cinco anos e agora, por via de Bolonha ou lá o que é, leva três, que - numa estatística que é cá minha, de observação empiricamente distraída-, se estendem por dez.
Bom, mas isso agora não interessa.
Disse-me que era licenciado com visível orgulho e eu dei-lhe os parabéns quando o que me apetecia era abraçá-lo com muita força mas como nunca fui habituado a esse género de expansões, vou morrendo a pouco e pouco na dor de as não ter.
Bom, mas isso agora não interessa.
Em vez do que devia decidi confrontá-lo com a sua ignorância de licenciado. Sabias que fomos os primeiros, mareando mares nunca antes sulcados por ocidentais a chegar a Taprobana e além dela? Na escola foste obrigado a ler os Lusíadas, ou não? Pois é. Por lá andámos em “guerras esforçados” na vantagem de canhões que punham os indígenas em sentido e que nos valeram o justo ódio de “gente remota”, se o ódio alguma vez pode ser coisa justa. Fundámos Colombo para onde agora voas. Depois chegaram os holandeses que lhes prometeram livrarem-nos de nós e que ainda mais odiados foram. Depois vieram os ingleses que ainda por lá estão com canhões mais modernos e ainda mais justamente odiados são. Não, não chegou a dar-me tempo para lhe falar destas coisas.
Bom, mas isso agora não interessa.
Disse-lhe que o Sri Lanka tinha sido o Ceilão que fora a Taprobana de Camões. Isso disse. Ele disse-me que a viagem dura 16 horas em vez dos nove meses que levávamos quando lá fomos das primeiras vezes. O bilhete de ida tinha-lhe custado 375 euros. Então e o bilhete de volta? Que não, não tinha comprado, não queria ter data para voltar. E aí apeteceu-me abraçá-lo outra vez. Não é completamente impossível que alguns dos meus genes o habitem e isso deixou-me embaraçadamente enternecido.
Bom, mas isso agora não interessa.
Somo-nos mais ou menos estranhos. Por culpa de ambos, coisa que não o apoquenta porque foi industriado na mui prática filosofia de que a culpa não existe; é a modos que uma coisa que os humanos mais dados à incompreensão das coisas elevadas deram de inventar para se atormentarem. Mas dão-se-me ataduras nas vísceras sempre que o imagino em qualquer adversidade que me calha imaginar. Porque, sendo-me estranho, continua a ser o meu baguinho e a abraçar-me naquela força mais forte que há na terra e ainda hoje não sei como lhe chegava aos bracitos.
Bom, mas isso agora não interessa.
Só para o ver em aflição, estive para lhe dizer que sendo assim também ia. Só mesmo para chatear, já me tinha dito que tinha de apanhar vacinas. E eu, vacinas, não. Fico aqui pelo meu jardim. Sem mosquitos, sem vacinas e muito mais em conta.


2 comentários:

  1. Gosto muito de ler o que escreves, Carlos, e hoje o que escreveste comoveu-me. Abraça o teu filho antes de ele ir à vida dele, morrerás menos e ele viverá mais porque desse «mais ou menos estranhos», que dizes serem ambos, ele levará para o seu caminho, noutro país ou na freguesia ao lado, a força de um «menos estranhos». Um abraço.

    ResponderEliminar
  2. Olá, Jorge. Um abraço grande para ti também.

    ResponderEliminar