sábado, 12 de outubro de 2024

a soprar sementinhas

Os srs. jornalistas andam agora todos a fazer gracinhas com auriculares, que ninguém sopra nada, a régie e tal.
Bom, há um livro que foi proibido pelos tribunais (!), no ano não muito longínquo de 2016, em que se conta um episódio que ilustra muito bem como se sopram perguntas para os jornalistas fazerem. E sim, é ingénuo pensar que isto possa ter sido episódio isolado: a naturalidade com que o dr. sampaio dita a pergunta ao jornalista não a consente. Reproduzo uma parte da recensão que fiz aqui ao livro e se refere a esse episódio:

" p. 136 (notas de leitura)
Uma das coisas mais curiosas do livro é o ver como o poder lança as suas sementinhas para fazer “notícias” das suas conveniências. E ver como os jornalistas são inseminados ou se deixam inseminar. As páginas dedicadas a Jorge Sampaio ilustram exemplos curiosos:

“… [A]tendo a chamada. É Jorge Sampaio. Faz-me uma pergunta estranha: ‘A entrevista é só para falar da Câmara?’ Percebo que ali há gato. Digo-lhe, a tatear o terreno, que o prato forte será a CML, mas que a nossa ideia é também falar doutros temas. E então Sampaio sai-se com esta: ‘O jornalista podia fazer-me uma pergunta sobre as presidenciais…’” Sampaio haveria de dizer na entrevista “[q]ue seria muito estimulante para ele ter Cavaco como adversário nas presidenciais.”

Em 1995, para preparar um colóquio organizado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social (!) sobre jornalismo e política promove-se… um almoço!
Manuel Villaverde Cabral e tudo, “… que pertence à comissão política da candidatura de Jorge Sampaio” terá dito qualquer coisa que “arrepia” o autor e o leva a escrever no seu diário:

“30 de Novembro de 1995
[…] Villaverde diz uma coisa extraordinária: é preciso fechar, pura e simplesmente, o Canal da RTP, porque ainda lá há ‘resquícios de cavaquismo’ que será difícil ‘extirpar’. Por outro lado, congratula-se com a demissão de Vasco Graça Moura [o diretor do canal]. Todos como ele deviam ser ‘corridos’. Confesso que fiquei um pouco assustado. Será que na comissão politica de Sampaio se pensa assim? Estamos no limiar de uma caça às bruxas generalizada? Subitamente parece termos regressado ao pós-25 de abril e à fúria vingadora de uma certa esquerda. Só que eu julgava esse período definitivamente encerrado.” *

Enfim, a coisa correu bem. Eleito em 1996, em 1997 já Sampaio estava no aeroporto com o seu séquito, na eminência de visitar a sua congénere holandesa.
..."
* Cit. de José António Saraiva em "Eu e os políticos – o que não pude (ou não quis) escrever até hoje", Gradiva, 2016, p. 136

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