sexta-feira, 19 de abril de 2019

do poder dos sindicatos e do camarada doutor (parte II)




















(foto: Nuno Ferreira Santos)

Tínhamos ficado naquela parte em que os comboios da CP iam fazendo
pouca terra num oceano de empresas públicas geridas pelo Manel e camaradas. E como comecei com subtítulos, vou continuar com eles.

 um passageiro melancólico aqui, uma saca de cimento ali

Ao mesmo tipo de assalto a que a CP foi sujeita, foram sujeitas mais ou menos todas as outras grandes empresas de transporte de mercadorias e passageiros. Quando eram insuficientes para albergarem todos os camaradas do Manel que se reproduziam como coelhos, nacionalizavam-se as que fossem necessárias a tal efeito. Na expectativa de vida mais tranquila e gorda, no acoito do patrão incorpóreo que é o estado, os camaradas operários eram facilmente encorajados a exigir as nacionalizações em nome do socialismo. Não é só de agora que há senhores a acharem coisas que fazem o clima de opinião adequado à abarrotada vida do Manel.
Com o tempo, as massas foram-se livrando dos constrangimentos associados ao uso de comboios que se esvaíam de movimento em braços de prata. Como iam podendo, fora das grandes urbes, as massas atomizaram-se no transporte privado e ao volante dos seus toyotas. Nas zonas urbanas, como se vem vendo, a gestão das falências das empresas públicas vem correndo ao sabor dos calendários eleitorais. E outro tanto sucede ao ilusório poder da rua, que se tornou quase monopólio dos camaradas trabalhadores do sector público. Desumanamente desvalorizados pela lei da oferta e da procura, os “trabalhadores em luta” faziam manifestações que eram um equivalente bastante exato das procissões religiosas; com o calendário eleitoral a substituir o religioso, com os seus clérigos à cabeça na pessoa de dirigentes sindicais, com as alfaias na forma de apitos, bandeiras, boinas à Guevara e muita solenidade nos punhos cerrados. Com o fim do trabalho como o bem escasso que havia sido até ao fim dos anos sessenta e primeira metade dos anos setenta, com o fim da emigração em massa para França, Alemanha e Luxemburgo, com a progressiva mecanização de empresas e serviços, os “trabalhadores em luta” e as organizações sindicais que agiam em seu nome tornaram-se fenómenos quase folclóricos, olhados com reserva, senão mesmo com aberta hostilidade por parte dos eventuais atormentados pela “luta”.

Extraordinariamente, é neste cenário pós-sindical que o camarada doutor Manuel Carvalho da Silva diz agora, a propósito da mais recente greve dos camionistas, que as greves “ocorrem ciclicamente […]mas agora a novidade é a mediatização do protesto e o contexto político”.  O camarada doutor acha portanto que as outras greves que “ocorrem ciclicamente” não são mediatizadas e acontecem fora de um contexto político. Nada como ir a doutor-sociólogo para nos tornarmos sofisticados nos argumentos. Ainda assim concede que “[é] natural que trabalhadores tentem resolver os seus problemas desta forma, através da greve.” Mas -e aqui vem ele, o “mas”- “…quando o problema se desloca para a política partidária, esquece-se o problema inicial entre os trabalhadores e os patrões. Com isto, o ex-secretário-geral da CGTP estava“…referindo o aproveitamento dos partidos de direita deste conflito laboral”, esclarecem-nos os incisivos jornalistas da empresa pública Lusa, autores do artigo do Público que não é público e era do senhor Belmiro que se despediu de nós todos sem que alguma vez fosse vítima da ignomínia de ser tratado de “merceeiro”, como abundantemente acontece com o seu colega Soares dos Santos, da Fundação.

(continua)

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