(foto: Nuno Ferreira Santos)
Tínhamos ficado naquela parte em que os comboios da CP iam fazendo
pouca terra num oceano de empresas públicas geridas pelo Manel e camaradas. E como comecei com subtítulos, vou continuar com eles.
um passageiro
melancólico aqui, uma saca de cimento ali
Ao mesmo tipo de assalto a que a CP foi sujeita, foram sujeitas
mais ou menos todas as outras grandes empresas de transporte de mercadorias e
passageiros. Quando eram insuficientes para albergarem todos os camaradas do
Manel que se reproduziam como coelhos, nacionalizavam-se as que fossem necessárias
a tal efeito. Na expectativa de vida mais tranquila e gorda, no acoito do
patrão incorpóreo que é o estado, os camaradas operários eram facilmente encorajados
a exigir as nacionalizações em nome do socialismo. Não é só de agora que há senhores a acharem coisas que fazem o clima de opinião
adequado à abarrotada vida do Manel.
Com o tempo, as massas foram-se livrando dos
constrangimentos associados ao uso de comboios que se esvaíam de movimento em braços
de prata. Como iam podendo, fora das grandes urbes, as massas atomizaram-se no
transporte privado e ao volante dos seus toyotas. Nas zonas urbanas, como se
vem vendo, a gestão das falências das empresas públicas vem correndo ao sabor
dos calendários eleitorais. E outro tanto sucede ao ilusório poder da rua, que se tornou quase
monopólio dos camaradas trabalhadores do sector público.
Desumanamente desvalorizados pela lei da oferta e da procura, os “trabalhadores
em luta” faziam manifestações que eram um equivalente bastante exato das
procissões religiosas; com o calendário eleitoral a substituir o religioso, com
os seus clérigos à cabeça na pessoa de dirigentes sindicais, com as alfaias na
forma de apitos, bandeiras, boinas à Guevara e muita solenidade nos punhos
cerrados. Com o fim do trabalho como o bem escasso que havia sido até ao fim
dos anos sessenta e primeira metade dos anos setenta, com o fim da emigração em
massa para França, Alemanha e Luxemburgo, com a progressiva mecanização de
empresas e serviços, os “trabalhadores em luta” e as organizações sindicais que
agiam em seu nome tornaram-se fenómenos quase folclóricos, olhados com reserva, senão mesmo com
aberta hostilidade por parte dos eventuais atormentados pela “luta”.
Extraordinariamente,
é neste cenário pós-sindical que o camarada doutor Manuel Carvalho da Silva
diz agora, a propósito da mais recente greve dos camionistas, que as greves “ocorrem
ciclicamente […]mas agora a novidade é a mediatização do protesto e o contexto
político”. O camarada doutor acha
portanto que as outras greves que “ocorrem ciclicamente” não são mediatizadas e
acontecem fora de um contexto político. Nada como ir a doutor-sociólogo para
nos tornarmos sofisticados nos argumentos. Ainda assim concede que “[é] natural
que trabalhadores tentem resolver os seus problemas desta forma, através da
greve.” Mas -e aqui vem ele, o “mas”- “…quando o problema se desloca para a
política partidária, esquece-se o problema inicial entre os trabalhadores e os
patrões.” Com isto, o ex-secretário-geral da CGTP estava“…referindo o
aproveitamento dos partidos de direita deste conflito laboral”, esclarecem-nos os
incisivos jornalistas da empresa pública Lusa, autores do artigo do Público que não é público e era do senhor Belmiro que se despediu de nós todos sem que alguma vez fosse vítima da
ignomínia de ser tratado de “merceeiro”, como abundantemente acontece com o seu colega Soares dos Santos,
da Fundação.
(continua)
(continua)
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